Como foi O Primerio Século da Era Cristã
A
história da Igreja de Deus tem sido sempre, desde a era apostólica até o
presente, a história da graça divina no meio dos erros dos homens. Muitas vezes
se tem dito isso, e qualquer pessoa que examine essa história com atenção não
pode deixar de se convencer que assim é.
Lendo
as Epístolas do Novo Testamento vemos que mesmo nos tempos apostólicos o erro
se manifestou, e que a inimizade, as contendas, as iras, as brigas e as discórdias,
com outros males, tinham apagado o amor no coração de muitos crentes
verdadeiros.
Deixaram
as suas primeiras obras e o seu primeiro amor e alguns que tinham principiado
pelo espírito, procuravam depois ser aperfeiçoados pela carne.
Mas
havia muito mais do que isso. Não somente existiam alguns verdadeiros crentes
em cujas vidas se viam muitas irregularidades, e que procuravam, pelas suas palavras,
atrair discípulos a si, como também havia outros que não eram de modo algum
cristãos, mas que entraram despercebidamente
entre os irmãos, semeando ali a discórdia. Isto descreve o estado de coisas a
que se referem os primeiros versículos do capítulo dois de Apocalipse, na carta
escrita ao anjo da igreja em Éfeso.
TEMPOS
DE PERSEGUIÇÃO
Porém
estava para chegar um tempo de perseguição para a Igreja, e isso foi permitido
pelo Senhor, na sua graça, a fim de que se pudessem distinguir os fiéis.
Esta
perseguição, instigada pelo imperador romano Nero, foi a primeira das dez
perseguições gerais que continuaram, quase sem interrupção, durante três
séculos.
"Por
que razão permite Deus que o seu povo amado sofra assim?"Muitas vezes se
tem feito esta pergunta, e a resposta é simples: é porque Ele ama esse povo.
Podia haver, e sem dúvida há, outras razões, porém a principal é esta - Ele o
ama. "Porque o Senhor corrige o que ama ' e se o coração se
desviar, tornar-se-á necessária a disciplina.
Com
que facilidade o mal se liga, mesmo ao melhor dos homens! Mas, na fornalha da
aflição, a escória separa-se do metal precioso, sendo aquela consumida. Ainda
mais, quando suportamos a correção de Deus, Ele nos trata como filhos; e se
sofremos com paciência, cada provocação pela qual Ele nos faz passar dará em
resultado mais uma bênção para a nossa alma. Tal experiência não nos é agradável,
nem seria uma provocação se o fosse, porém, à noite de tristeza sucede a manhã
de alegria, e dizemos com o salmista Davi: "Foi bom para mim, ter sofrido
aflição".
PORQUE E QUE DEUS PERMITE A PERSEGUIÇÃO
Mas
Deus permite, algumas vezes, que a malvadez leve o homem muito longe em
perseguir os cristãos, a fim de ficar manifestado o que está no seu coração, e
por isso não é de estranhar que na alma do cristão que não tem apreciado esta
verdade se levantem dúvidas e dificuldades, e que comece a queixar-se de o
caminho ser custoso, e da mão do opressor ser pesada sobre ele. 8
O
Senhor porém não nos deixa na Terra para nós nos queixarmos das dificuldades,
nem para recuarmos diante da ira dos homens: temos de servir ao Mestre e
resistir ao inimigo, porém é somente quando estamos fortalecidos no Senhor e na
força do seu poder que podemos prestar esse serviço, ou resistir efetivamente a
esse inimigo.
Esta
história pretende indicar quão dignamente se fez isto nos tempos passados,
porém se quisermos compreender a maneira como Deus tem tratado o seu povo,
sempre nos devemos lembrar de que a milícia cristã é diferente de qualquer
outra, e que uma parte da sua resistência é o sofrer.
As
armas da nossa milícia não são carnais, mas sim espirituais, e o cristão que
se serve de armas carnais mostra sem dúvida que não aprecia o caráter do
verdadeiro crente. Não pode ter apreciado com inteligência espiritual o caminho
do seu Senhor, ou compreendido o sentido das suas palavras: "O meu
reino não é deste mundo; se o meu reino fosse deste mundo pelejariam os meus servos".
A
igreja militante é uma igreja que sofre, mas se empregar as armas carnais,
deixa na verdade de combater.
No
ousado e santo Estêvão temos um exemplo do verdadeiro crente militante. Foi
ele o primeiro mártir cristão. E que grande vitória ele ganhou para a causa de
Cristo quando morreu pedindo ao Senhor pelos seus perseguidores! Davi, séculos
antes da era cristã, disse: "O justo se alegrará quando vir a vingança
: lavará os seus pés no sangue do ímpio", porém Estêvão, que viveu na
época cristã, orou:"Senhor, não lhes imputes este pecado". Isto
foi um exemplo da verdadeira milícia cristã.
A
primeira onda da perseguição geral que veio sobre a igreja fez-se sentir no ano
64, no reinado do imperador Ne-ro, que tinha governado já com uma certa
tolerância durante nove anos.
Neste
tempo, o assassinato de sua mãe, e a sua indiferença brutal depois de ter
praticado aquele crime tão monstruoso, mostrou claramente a sua natural
disposição, e indicou ao povo aquilo que havia de esperar dele. Desgraçadamente,
as tristes apreensões que muitos tinham a seu respeito tornaram-se em negra
realidade.
ROMA
INCENDIADA
Uma
noite no mês de julho, no ano acima citado, os habitantes de Roma foram
despertados do sono pelo grito de "Fogo!" Esta terrível palavra
fez-se ouvir simultaneamente em diversas partes da cidade, e dentro de poucas
horas a majestosa capital ficou envolvida em chamas. A grande arena situada
entre os montes Palatino e Aventino, onde cabiam 150.000 pessoas, em pouco
tempo estava ardendo, assim como a maior parte dos edifícios públicos, os monumentos,
e casas particulares.
O
fogo continuou por espaço de nove dias, e Nero, por cujas ordens se tinha
praticado este ato tão monstruoso, presenciou a cena da torre de Mecenas, onde
manifestou o prazer que teve em ver a beleza do espetáculo, e, vestido como um
ator, acompanhando-se com a música da sua lira, cantou o incêndio da antiga
Tróia!
O
grande ódio que lhe votaram em conseqüência deste ato, envergonhou-o e tornou-o
receoso; e com a atividade que lhe deu a sua consciência desassossegada, logo
achou o meio de se livrar dessa situação. O rápido desenvolvimento do
cristianismo já tinha levantado muitos inimigos contra essa nova doutrina.
Muita gente havia em Roma que estava interessada na sua supressão - por isso
não podia haver nada mais oportuno, e ao mesmo tempo mais simples para Nero, do
que lançar a culpa do crime sobre os inofensivos cristãos.
Tácito,
um historiador pagão, que não era de modo algum favorável ao cristianismo,
fala da conduta de Nero da seguinte maneira:
"Nem
os seus esforços, nem a sua generosidade para com o povo, nem as suas ofertas
aos deuses, podiam pagar a infame acusação que pesava sobre ele de ter ordenado
que se lançasse fogo à cidade. Portanto, para pôr termo a este boato, culpou do
crime, e infligiu os mais cruéis castigos, a uns homens... a quem o vulgo
chamava cristãos", e acrescenta: "quem lhes deu esse nome foi Cristo,
a quem Pôncio Pilatos, procurador do imperador Tibério, deu a morte durante o
reinado deste.
"Esta
superstição perniciosa, assim reprimida por algum tempo, rebentou de novo, e
espalhou-se não só pela Judéia, onde o mal começara, mas também por Roma, para
onde tudo quanto é mau na terra se encaminha e é praticado. Alguns que
confessaram pertencer a essa seita foram os primeiros a ser presos; e em
seguida, por informações destes prenderam mais uma grande multidão de pessoas,
culpando-as, não tanto do crime de terem queimado Roma, mas de odiarem o gênero
humano".
É
quase escusado dizer que os cristãos não nutriam ó-dio algum pela humanidade,
mas sim pela terrível idolatria que prevalecia em todo o Império Romano; e só
por este motivo eram considerados como inimigos da raça humana.
CRUÉIS
TORMENTOS DOS CRENTES
Não
se sabe quantos sofreram por essa ocasião, mas de certo foram muitos, e
eram-lhes aplicadas todas as torturas que um espírito engenhoso e cruel podia
imaginar, para satisfazer os depravados gostos do imperador.
"Alguns
foram vestidos com peles de animais ferozes, e perseguidos pelos cães até serem
mortos, outros foram crucificados; outros envolvidos em panos alcatroados, e
depois incendiados ao pôr do sol, para que pudessem servir de luzes para
iluminar a cidade durante a noite. Nero cedia os seus próprios jardins para
essas execuções e apresentava, ao mesmo tempo, alguns jogos de circo,
presenciando toda a cena vestido de carreiro, indo umas vezes a pé no meio da
multidão, outras vendo o espetáculo do seu carro". Hegesipo, um escritor
do II século, faz algumas referências interessantes sobre o apóstolo Tiago,
que acabou a sua carreira durante esse período, e fornece um detalhado
relatório do seu martírio, que podemos inserir aqui.
"Consta
que o apóstolo tinha o nome de Oblias, que significava justiça e proteção,
devido à sua grande piedade e dedicação pelo povo. Também se refere aos seus
costumes austeros, que sem dúvida contribuíram para aumentar a sua fama entre
o povo. Ele não bebia bebidas alcoólicas de qualidade alguma, nem tampouco
comia carne. Só ele teve licença de entrar no santuário. Nunca vestiu roupa escolhendo
ele aquela posição por se achar indigno de sofrer na mesma posição em que
sofreu o seu Senhor. Paulo que sofreu no mesmo dia foi poupado a uma morte tão
dolorosa e lenta, sendo degolado. "A estes santos apóstolos",
acrescenta Clemente, "se ajuntaram muitos outros, que tendo da mesma
maneira sofrido vários martírios e tormentos, motivados pela inveja dos outros,
nos deixaram um glorioso exemplo.
"Pelos
mesmos motivos, foram perseguidos, tanto mulheres como homens, e tendo sofrido
castigos terríveis e cruéis, concluíram a carreira da sua fé com firmeza."
MORTE
DE NERO
O
miserável Nero morreu às suas próprias mãos, no ano 63, cheio de remorsos e de
medo; depois da sua morte a igreja teve descanso por espaço de trinta anos. Contudo
durante esse tempo Domiciano (que podia quase levar a palma a Nero, quanto à
intolerância e crueldade) subiu ao trono; e depois de quatorze anos do seu
reinado, rebentou a perseguição geral.
Tendo
chegado aos ouvidos do imperador que alguém, descendente de Davi, e de quem se
tinha dito: "Com vara de ferro regerá todas as nações", vivia
na Judéia, fez com que se procedesse a investigação, e dois netos de Judas, o
irmão do Senhor Jesus, foram presos e conduzidos à sua presença.
Quando
ele, porém, olhou para as suas mãos, calosas e ásperas pelo trabalho, e viu que
eram uns homens pobres, que esperavam por um reino celeste, e nada queriam
saber do reino terrestre, despediu-os com desprezo. Diz-se que eles foram
corajosos e fiéis em testemunhar a verdade perante o imperador, e que, quando
voltaram para sua terra natal, foram recebidos com amizade e honras pelos
irmãos.
PERSEGUIÇÃO
A JOÃO
Pouco
se sabe a respeito desta perseguição; mas esse pouco é sem dúvida interessante.
E entre os muitos mártires que sofreram, encontra-se João, o discípulo amado
de
Jesus,
e Timóteo, a quem Paulo escreveu com tão afeiçoa-da solicitude. Diz a tradição
que o primeiro foi lançado, por ordem do tirano, numa caldeira de azeite
fervente mas, por um milagre, saiu de lá ileso. Incapaz de o ferir no corpo, o
imperador desterrou-o para a ilha de Patmos, onde foi obrigado a trabalhar nas
minas. Foi ali que ele escreveu o livro de Apocalipse, e teria sem dúvida
terminado ali mesmo a sua vida, se não fosse a inesperada morte do imperador,
assassinado pelo próprio administrador da sua casa, no dia 18 de Setembro de 96
d.C. Sendo então o apóstolo João posto em liberdade, voltou para Éfeso, onde
escreveu a sua história do Evangelho e as três epístolas que têm o seu nome.
Parece
que ali, como sempre, foi levado em toda a sua vida pelo amor, e quando morreu,
na avançada idade de cem anos, deixou, como legado duradouro, este simples
preceito: "Filhinhos, amai-vos uns aos outros". Frase simples
esta, e pronunciada há muitos anos, mas qual de nós tem verdadeiramente
aprendido o seu sentido?
ASSASSINATO
DE TIMÓTEO
Timóteo
sustentou virilmente a verdade, na mesma cidade, até o ano 97, em que foi
morto pela turba numa festa idolatra. Muitos homens do povo, mascarados e
armados de paus, dirigiam-se para os seus templos para oferecer sacrifícios
aos deuses, quando este servo do Senhor os encontrou. Com o coração cheio de
amor, encaminhou-se para eles, e lembrando-se talvez do exemplo de Paulo, que
poucos anos antes tinha pregado aos idolatras de Atenas, falou-lhes também do
Deus vivo e verdadeiro. Mas eles não fizeram caso do seu conselho, zangaram-se
por serem reprovados e, caindo sobre ele com paus, bateram-lhe tão
desapiedadamente, que expirou poucos dias depois.
E
agora, lançando a vista por um momento para os tempos passados, encontram-se,
de certo, na história destas primitivas perseguições, muitos exemplos para dar
ânimo e coragem aos nossos corações. Em vista de tais sofrimentos, não se pode
deixar de admirar o ânimo dos santos, e agradecer a Deus a graça pela qual eles
puderam suportar tanto com tão sofredora paciência.
Nem
a cruz, nem a espada nem os animais ferozes, nem a tortura, puderam prevalecer
contra aqueles fiéis discípulos de Jesus Cristo. Quem os poderia separar do
seu amor? Seria a tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a
nudez, ou o perigo, ou a espada? Não! Em todas essas coisas eles foram mais do
que vencedores por meio daquele que os amou. Não lhes dissera o Senhor que deviam
esperar tudo isso? Não tinha Ele dito aos seus discípulos, quando ainda estava
entre eles: "No mundo ter eis aflições"? e não era bastante
compensação para os seus sofrimentos, que duraram poucos anos, a brilhante
esperança da glória eterna que Ele lhes tinha dado?
Depois
de mais alguns anos, tanto perseguidores como perseguidos teriam deixado este
mundo, e passado para a eternidade; então - que grande mudança! Para os primeiros,
a escuridão das trevas para sempre; para os últimos, aquele "peso
eterno de glória muito excelente". Que contraste!
HERESIAS
E DISSENSOES
Estando
para terminar este capítulo, devemos notar a impossibilidade que temos em
vista, por causa do pequeno espaço de que dispomos, de enumerar todas as
heresias e dissensões que têm entristecido e dividido a Igreja de Deus desde o
seu princípio; portanto, apenas nos propomos a lançar a vista para os atos que
nos apresentem maior interesse, tanto pela sua especial astúcia, como pela sua
grande influência.
O
gnosticismo era um desses males, e foi talvez a primeira heresia que
depois dos tempos dos apóstolos se desenvolveu mais. Era um amontoado de erros
que tinham a sua origem na cabala dos judeus, uma ciência misteriosa dos
rabinos, baseada na filosofia de Platão, e no misticismo dos orientais. Um
judeu chamado Cerinto, mestre de filosofia em Alexandria, introduziu parte do
Evangelho nesta massa heterogênea da ciência (falsamente assim chamada) e sob
esta nova forma foram enganados muitos crentes verdadeiros, e se originou muita
amargura e dissensão.
Mas
havia muito tempo que não se ocupavam com esse erro, nem com muitos que se lhe
seguiram, e a Palavra de Deus, que é a única que contém as doutrinas inabaláveis
da Igreja, já tinha predito que "os homens maus e enganadores irão de
mal a pior, enganando e sendo enganados" (2 Tm 3.13). Já o apóstolo
Paulo tinha aconselhado o seu filho Timóteo a opor-se aos clamores vãos e
profanos que só poderiam produzir maior impiedade (2 Tm 2.16); e se tinha
referido, em linguagem inspirada pelo Espírito Santo, às "perversas
contendas de homens corruptos de entendimento e privados da verdade" (1
Tm 6.5): "Mas tu, ó homem de Deus", clamou ele, "foge
destas coisas, e segue a justiça, a piedade, a fé, a caridade, a paciência, a
mansidão. Milita a boa milícia da fé, lança mão da vida eterna, para a qual
também foste chamado, tendo já feito boa confissão diante de muitas
testemunhas" (1 Tm 4.11, 12).
O
amado apóstolo já tinha combatido o bom combate e acabado a sua carreira e
guardado a fé, e com a consciência que o esperava pronunciou palavras que
deviam servir para animar a Igreja de Deus nos tempos futuros: "Pelo
demais a coroa da justiça está-me guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me
dará naquele dia; e não somente a mim, mas também, a todos os que amarem a sua
vinda" (2 Tm 4.7,8).
Fonte: A. Knight & W. Anglin
(HISTÓRIA DO Cristianismo - Dos apóstolos do Senhor Jesus ao século XX).